quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

De um dia normal ao fim (parte I)

O João abre os olhos e fica automaticamente cego pela primeira luz do dia. Espreguiça-se e volta a acomodar-se debaixo dos lençóis. Sabe que não irá conseguir dormir mais, mas irrita-lhe o facto de ter de sair da cama. Ainda de olhos fechados, estende o braço direito para tentar calar o ensurdecedor despertador que se encontra na mesa-de-cabeceira e faz cair um dos livros que por ali tem espalhados. O barulho do livro no chão fá-lo levantar a cabeça e abrir o olho direito para que não faça cair mais nenhum dos imensos objectos sem utilidade que teima em trazer para casa. Finalmente alcança o despertador e, olhando para este, consta que já está atrasado para o seu rotineiro e precário trabalho.
Destapa-se e sente frio. Levanta-se e cambaleia até a janela. Abre um pouco mais o estore para que consiga ver como está o tempo.

Fodasse, não para de chover...

Espreguiça-se mais uma vez ao mesmo tempo que boceja. Sente o cheiro nauseabundo proveniente da sua boca, como de qualquer ser humano quando acorda. Olha para a roupa que despiu a noite passada que se encontra em cima da cadeira que tem no quarto. Parece-lhe aceitável e volta a vesti-la. Umas calças de ganga pretas, rotas no joelho esquerdo e uma camisola cinzenta. Razoavelmente apresentável abre a porta do quarto e sente uma brisa gelada a passar-lhe pelo pescoço. Dirige-se rapidamente para a casa de banho para mijar. Mija. Puxa o autoclismo mas este não tem água...

O que é que este tem agora?

Não se importa com tal facto. Deixa a sanita com os seus dejectos e recolhe o seu órgão sexual. Dá meia volta e olha-se no espelho. Assim permanece a olhar para a sua imagem reflectida durante aproximadamente 30 segundos, inspeccionado todas as rugas, todos os pelos, todas as borbulhas, todas as imperfeições. Molha a cara e o oleoso cabelo. Seca-se e tenta baixar um tufo de cabelos mais rebeldes. Sustendo a respiração, olha-se no espelho mais uma vez na esperança que este emita algum som, mas tal não acontece. Escova os dentes mas sem dentífrico, pois este acabou faz já alguns dias. O hálito merdoso permanece.
Sai então para a cozinha. Na cozinha está a sua moribunda mãe, Isabel, sentada perto da lareira apagada. A mãe do João sofre de uma doença rara, não contagiosa, que a tornou num vegetal. O seu pai, o Manuel, abandonou-os quando Isabel assim ficou. É portanto o João que trata da mãe e da casa, ou pelo menos tenta. Olha em redor e apenas vê coisas desarrumadas e por lavar. Abre o frigorífico na esperança de encontrar alguma coisa para comer, mas a única coisa que lá se encontra é uma lata com duas salsichas pretas devido ao longo tempo que passaram na lata aberta dentro do frigorífico. Volta a meter a lata onde estava e acaba por não comer nada.
Apesar do dia chuvoso, calça umas sapatilhas All Star com vários buracos pois é as únicas que tem. Veste o casaco e mete as chaves de casa e o telemóvel no bolso das calças. Dirige-se à sua progenitora e dá-lhe um beijo na testa, sinal de respeito e de amor.

És a pessoa que mais adoro neste mundo. Amo-te.

Isabel limita-se a olhar em frente e, sem qualquer tipo de reacção, permanece no seu mundo.
O João sai para a rua. Para além do facto de não gostar de andar com guarda-chuva, vive relativamente perto do local de trabalho, por isso decide não levar tal objecto. Levanta a gola do casaco e sai do resguardo do prédio, onde dorme um sem abrigo.
No caminho cruza-se com uma infinidade de pessoas, de todos os sexos e de todas as classes sociais, que correm para não chegarem atrasadas a um emprego que detestam, mas que lhes dá o rendimento para que possam pagar as coisas mais fúteis que se podem imaginar.

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